"Existirão pessoas que simplesmente nunca se encontram? Uma
vez assisti a algum filme, ou comercial, ou li em algum lugar, enfim... não me
lembro onde foi, mas a frase aterrorizante (esse adjetivo vem do olhar de hoje)
foi a seguinte: “e o cara mais genial que conheço não tinha ideia do que queria
da vida aos 22 anos de idade”. Na época, eu adolescente, indecisa, perdida,
encontrei muito conforto nessa frase. Mas os 22 vieram e passaram. Daí houve
algum momento, quando conheci Neil Gaiman, que li em alguma parte de alguma
contracapa de um livro dele (memória tá falhando pesado) que ele próprio só
começou a escrever aos 24 anos, e antes não tinha noção do que queria também.
Muito bem, pensei, que ótimo, uma esperança. Mas os 24 anos vieram e passaram. Mas
ainda sim sempre fica uma expectativa, de alguma forma existe a certeza de que
quando o momento chegar haverá sinos tocando e sinais bem claros em toda a sua
volta. Mas, enquanto isso não acontece, você coloca o despertador para tocar as
7 da manhã. Depois de uma noite de sonhos conturbados e momentos despertos, o
despertador cumpre sua função, e você pensa: para que levantar agora? Fará
assim tanta diferença se eu acordar agora ou daqui a 15, 30 ou 45 minutos?
Finalmente, levanta, se arruma, às vezes até exagera na produção, pois você
quer e precisa se sentir bem, e vai “trabalhar”. A razão das aspas é
compreensível só para aqueles envolvidos com pós-graduação stricto-senso que
vivem da bolsa que recebem. Um fenômeno conhecido como “síndrome do vampiro
intelectual”, suga sua mente, sua alma, te deixa marcas profundas, e não dá
nada em troca. Durante o dia você repassa muitas decisões na sua cabeça,
enquanto realiza uma tarefa que deveria receber mais atenção. “E se isso, e se
aquilo”, “talvez se eu fizer isso”, “quem sabe é por causa disso” e outras
frases ficam salteando nos pensamentos até que a resolução do dia brota: “ah,
já sei, vou fazer isso, começo segunda feira, uma vida toda organizada, vai dar
tudo certo, era disso que eu precisava”, e os seus problemas estão resolvidos.
É possível até visualizar tudo correndo perfeitamente, com disciplina e
organização até sua vida normal poderia ser mais interessante. No intervalo
entre o término de uma tarefa, uma pausa para o café ou uma ida ao banheiro,
toda a resolução fica esquecida, como se nunca tivesse surgido. Você decide que
já trabalhou demais, e mesmo se fizer hora extra nos próximos 100 anos não vai
terminar o trabalho mesmo (aliás, foi por isso mesmo que você nem quis acordar
mais cedo), então vai embora. Pega trânsito. Pensa que deveria ter saído mais
tarde para evitar o trânsito mais sempre faz a coisa errada mesmo. Chega em
casa, liga a TV somente nos programas de comédias, ri um pouco, esquece um
pouco, faz um lanche, ah como é gostoso estar em casa, que bom ter um teto, uma
casa confortável, uma comida gostosa, nem sei porque passo tanto tempo pensando
e reclamando. Decide que se não for dormir mais cedo não conseguirá levantar
mais cedo amanhã, que é o que deveria fazer mesmo, ser mais positiva, trabalhar
mais, com mais prazer e etc. Pega um livro, lê durante um bom tempo até o sono
bater. Apaga a luz, se enrola nas cobertas, e, apesar de cansada, pensa e pensa
e pensa por muito tempo. E lembra que amanhã terá que fazer tudo de novo. E
dorme. E tem sonhos conturbados e momentos despertos à noite, até que seu
despertador toca às 7 da manhã. Faz diferença se eu me levantar agora ou daqui
a 15, 30 ou 45 minutos? A sensação é de estar inventando coisas para arrastar o
tempo, disfarçar os dias, justificar a existência, preencher o passar dos
minutos."